Entrevistado: Erick de Oliveira, professor adjunto do curso de Nutrição da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Os possíveis efeitos do consumo de ômega 3 para a formação ou o fortalecimento de músculos no ser humano têm sido objeto de estudo no curso de Nutrição da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Coordenadas pelo professor-adjunto Erick de Oliveira, as pesquisas tentam desvendar as vantagens ou desvantagens da ingestão dos tipos de ômegas 3 mais conhecidos: ácido alfa-linoleico (ALA); ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA). Embora o melhor dos mundos fosse constatar que, sim, o ômega 3 auxilia no fortalecimento muscular, até o momento não há como afirmar isso, garante ele. Nesta entrevista para o Alimentos na Palma da Mão, Oliveira comenta sobre as pesquisas relativas ao assunto.
APM – Conte um pouco sobre suas pesquisas relacionadas ao ômega 3 e à formação de massa muscular em seres humanos.
ERICK DE OLIVEIRA –Há uma hipótese, ainda em estudo, de que ele ajudaria na formação de massa muscular em idosos. Trata-se de um assunto que exige a análise de fatores múltiplos para a obtenção de um resultado confiável, mesmo sendo essa substância já amplamente estudada por suas outras funções no organismo, como redução de risco cardiovascular e efeito anti-inflamatório, por exemplo.
APM – Quais os tipos de ômega 3 têm sido empregados nesses estudos?
ERICK DE OLIVEIRA – Trabalhamos com três tipos de ômega 3: o ALA; o EPA e o DHA. Há diferenças na metabolização de cada um, pois eles são provenientes de diferentes fontes. O ALA vem de fontes vegetais, enquanto o DHA e o EPA vêm do óleo de peixe. Mas ainda não se sabe qual tipo seria melhor para o músculo. O que se sabe é que, quanto mais EPA e DHA no organismo, mais se estimula a produção de substâncias com potencial anti-inflamatório. Isso pode ser importante para idosos, já que, quanto maior o nível inflamatório, mais se perde força e massa muscular ao longo dos anos.
APM – As pesquisas seguem por este caminho, então?
ERICK DE OLIVEIRA – Esta é uma hipótese que faz sentido, mas não é suficiente ainda para a gente decidir suplementar com ômega 3, pois ele parece ter outro efeito, indireto, no músculo, relacionado à formação de novas proteínas no organismo. Jovens têm uma síntese proteica mais acelerada, enquanto nos idosos, ela é menos acelerada, quando comparamos doses iguais de proteína ingerida. Os idosos parecem ter uma resistência anabólica.
APM – Os idosos então teriam mais dificuldade em formar proteína no músculo?
ERICK DE OLIVEIRA – Percebemos que o catabolismo (processo metabólico cujo objetivo é produzir moléculas simples a partir de outras mais complexas) do idoso é semelhante ao do jovem. O que difere é a síntese proteica reduzida no idoso, quando ele consome proteína. Então, uma das hipóteses em estudo é verificar se o idoso, ao consumir ômega 3, pode ficar com o músculo mais sensível à captação de aminoácidos, o que ajudaria a romper esse processo de resistência metabólica.
APM – Há algum estudo feito com esse nível de evidência atualmente?
ERICK DE OLIVEIRA – Em 2020 publicamos um trabalho no qual associamos o consumo de ômega 3 com a força muscular em pessoas acima de 50 anos. Avaliamos 2.141 idosos, metade homens e metade mulheres. E notamos que os indivíduos do sexo masculino que consumiam mais ômega 3 tinham mais força, o que não aconteceu com as mulheres. Mas esse é um resultado único e há vários outros estudos que mostram resultados diversos, inclusive opostos. Ou seja, as evidências ainda são bastante confusas.
APM – Há relação entre consumo de ômega 3, exercícios físicos e ganho de massa muscular?
ERICK DE OLIVEIRA – Ganhar músculo ao longo dos anos sem exercício é muito improvável. Houve um estudo em que um grupo, sem exercício, suplementado com ômega 3 por 12 semanas, foi comparado a um grupo controle, que só usou vitamina E. Foi observado que não houve alteração na composição corporal, na função muscular, em nada. Ou seja, como não houve emprego de força, não haveria como o ômega 3 potencializar um ganho que não existiu.
APM – Há alguma outra pesquisa neste sentido?
ERICK DE OLIVEIRA – Há um estudo que observou que a suplementação com ômega 3 em idosos que não praticavam exercícios, durante mais de seis meses, permitiu o aumento do volume do músculo, da força e a de preensão manual. Um resultado muito bom para ser verdade. Seria como se eu, consumindo 4 gramas de óleo de peixe por dia, tivesse a possibilidade de hipertrofiar o músculo e aumentar a força. Mas os autores não controlaram o consumo dietético nem a prática de exercício físico dessas pessoas.
APM – Há, afinal, algum estudo convincente sobre o tema ômega 3 e fortalecimento muscular?ERICK DE OLIVEIRA – Há um que mostra que quem tomou ômega 3 e quem não tomou, mas treinou, ganhou força do mesmo jeito. E há outro, que o contradiz, com idosos que treinavam e foram suplementados com três cápsulas de ômega 3 por dia. Todos ganharam músculo e força, a única diferença é que houve aumento da qualidade muscular entre as mulheres que consumiram ômega 3. Qualidade muscular é uma medida de eficiência do músculo, mensurada pela avaliação da força por volume. Mas, em nosso próprio estudo, já citado, percebemos associação entre massa muscular e ômega 3 só em homens, ou seja: são evidências muito confusas ainda. Até agora, temos muito mais perguntas do que respostas. O ômega 3 funciona ou não para ganho de massa muscular? A resposta é: ainda não sabemos.