Computadores abastecidos com big data já têm a capacidade de formular cardápios precisos e completos
A inteligência artificial (IA), cada vez mais utilizada em vários ramos do conhecimento, pode ser bastante útil também para a nutrição humana. Pesquisa realizada por Kristy Soraya Coelho, doutora e especialista em nutrição clínica, estuda a aplicação da IA na formulação de cardápios completos, com distintos objetivos. O trabalho agrupa um imenso número de dados (big data), que compreende conhecimentos acumulados sobre alimentos, sua composição, sazonalidade, valor nutricional, tipos de preparo, modo ideal de consumo, etc., permitindo a um software formular, para cada pessoa e de acordo com suas especificidades, a dieta adequada.
“O que estamos fazendo em nossa pesquisa é criar uma estrutura para que o software entenda vários conceitos, qual a relação entre eles e aonde ele deve buscar a informação para a formulação do cardápio correto”, comenta. “O computador não tem esse conhecimento prévio, por isso precisamos abastecê-lo de uma estrutura de dados, chamada de ‘representação do conhecimento’ ou ‘ontologia’”, explica.
Ela acrescenta que há bibliotecas, em vários países, de ontologias para as mais diversas áreas. “Mas não encontramos uma que nos atendesse”, informa. “Então, por isso, tivemos que construir uma ontologia para atender à questão da elaboração de cardápios.”
A nutricionista cita como exemplo de ontologia as informações relativas à carambola. “É uma fruta amarela, que deve ser consumida crua, não tem glúten, nem lactose, é um alimento vegano e vegetariano, mas não é diet nem light e pode ser consumida por todas as faixas etárias e em diferentes refeições do dia. Não é adequada, porém, para pessoas com problemas renais. Pode, ainda, ser combinada com água para fazer suco, mas não é adequada para ser servida com feijão ou churrasco”, menciona. “Todas essas informações detalhadas alimentam o software, gerando um grande banco de dados que será utilizado para elaborar os cardápios a partir da expertise de um nutricionista, bem como das necessidades e preferências do paciente.”
A ferramenta se baseia no cardápio típico brasileiro e também na Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA), lançada em 1998 e atualmente em sua versão 7.1 (na qual há 5.400 alimentos e 3.800 preparações, inclusive com novas classificações, como ‘sem glúten’; ‘sem lactose’; ‘veganos’ e ‘vegetarianos’).
No caso da pesquisa de Kristy (continuação de seu doutorado, intitulado Concepção de uma ferramenta computacional para a geração de planos alimentares personalizados, considerando preferências e necessidades nutricionais), os planos alimentares gerados pela ferramenta foram avaliados por um grupo de nutricionistas. “Concluiu-se que, em 90% dos casos, a formulação de cardápios da máquina coincidiu com aquela que teria sido gerada por um nutricionista ‘real’. Inclusive no que se refere ao momento do dia em que o alimento deve ser consumido, se no café da manhã, no almoço ou no jantar. “Até mesmo a faixa etária é levada em conta”, assinala Kristy.
Mesmo que a inteligência artificial embutida em um software já garanta um nível de acerto tão alto, Kristy diz que a palavra final sempre será do nutricionista, que terá a liberdade de fazer as alterações que achar necessárias ao cardápio proposto pela máquina. Ela adianta ainda que, mais à frente, a IA aplicada à nutrição pretende ir além da elaboração de cardápios. “Estamos trabalhando com algo que é mais amplo, chamado nos Estados Unidos de nutrição de precisão”, explica Kristy Coelho. “Neste caso, se engloba não só a nutrição, mas um cuidado preventivo ligado à alimentação”, continua. “A ideia será trabalhar com genética, exames bioquímicos e tentar, a partir daí, fazer um planejamento nutricional antecipando problemas.” Ou seja, o futuro da alimentação já chegou.