Entrevistado:  André Bento Chaves Santana, professor do Instituto de Saúde e Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas (ISB/UFAM), trabalha com as tendências do estado nutricional da população idosa da Região Norte.

O nutricionista André Bento Chaves Santana, que estuda o estado nutricional de amazonenses acima dos 60 anos, revela que os idosos da capital do Amazonas apresentam taxa de sobrepeso maior que a média brasileira. A ironia é que a fome voltou a crescer no país e a desnutrição atinge, sobretudo, o Norte e o Nordeste. Em entrevista ao Alimentos na Palma da Mão, Santana afirma que, no Amazonas, obesidade e desnutrição caminham juntas.

Alimentos na Palma da Mão: Conte sobre as pesquisas que você desenvolve na Ufam a respeito de nutrição.

André Santana: Trabalho com epidemiologia nutricional, ou seja, avalio o estado nutricional da população brasileira, só que minha pesquisa é voltada aos homens e mulheres acima de 60 anos. O objetivo é, principalmente, acompanhar as tendências do estado nutricional da população idosa da Região Norte, especificamente Manaus, capital do Amazonas.

APM: Por que Manaus?

Santana: Porque a rede de atenção primária à saúde em Manaus é bem estabelecida e forte, com registros mais consistentes no DataSUS (departamento de informática do Sistema Único de Saúde) sobre o estado nutricional da população em algumas localidades.

APM: E por que idosos?

Santana: Porque é uma frente interessante de estudos e, sob o ponto de vista da saúde humana, os idosos muitas vezes acabam sendo negligenciados. As políticas públicas de saúde são muito voltadas às crianças e, por extensão, às mães, no binômio saúde/nutrição infantil. E há poucos dados sobre idosos. Entretanto, o conceito de atenção integral à saúde inclui todas as fases da vida.

APM: E a população brasileira está envelhecendo, não?

Santana: Exatamente. E, para desenharmos políticas públicas para essa faixa etária, temos de saber como está a evolução do estado nutricional ao longo do tempo. Em nossos estudos, usamos os dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), aos quais damos um tratamento estatístico para identificar tendências e, posteriormente, vislumbrar como lidar com elas. Em Manaus, uma tendência clara é a de aumento acentuado no sobrepeso de idosos, muito maior que a média do Estado e até do País. Na capital amazonense, a taxa de mulheres acima de 60 anos com sobrepeso está em 60,21% enquanto, no Brasil, essa taxa é de 55,89%.

APM: E como se explica essa alta taxa de obesidade em idosos em Manaus?

Santana: Sabemos que, em uma capital, a população tem mais acesso a serviços e a alimentos processados e gordurosos. Além disso, a mobilidade urbana é dificultosa e a alta temperatura, no caso de Manaus, desestimula a prática de exercícios. As pessoas também vão deixando de lado alimentos tradicionais, como peixe, farinha de peixe e açaí, entre outros da culinária local. No lugar, consomem alimentos processados, uma maior quantidade de sal e açúcar, e aumentam a quantidade de refeições fora de casa. A qualidade alimentar da população está diminuindo e a tendência natural é o aumento de peso, o que já acontece em grande escala em países desenvolvidos. Aqui no Brasil a situação só não é pior porque temos uma tradição culinária muito forte.

APM: Esses dados de sobrepeso são referentes só às mulheres idosas?

Santana: Infelizmente, não. Os homens, igualmente, seguem essa tendência. Em 2016, por exemplo, a prevalência de sobrepeso entre homens idosos em Manaus era de 52,15%; em 2020, chegou a 54,61%. Para efeito de comparação, no Brasil, os números indicavam 42,52% e 45,42%, respectivamente.

APM: Você fala de sobrepeso em idosos. Mas podemos também falar de desnutrição em Manaus e no Amazonas?

Santana: Claro. Comparei a situação alimentar do Brasil com a do Estado do Amazonas pelos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Ela utiliza a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) e mede a “insegurança alimentar grave” (fome). Em 2018, a insegurança alimentar grave no Brasil era de 4,55% e, no Amazonas, era de 14,16%. Ou seja: 63% da população brasileira estava em estado de “segurança alimentar” e, no Amazonas, apenas 34%. O que comprova que obesidade e desnutrição caminham juntas neste cenário de desequilíbrio nutricional. Isso porque as condições de vida no Estado são extremamente desiguais.

APM: Isso em 2018. Agora, há vários indicadores de que a situação se agravou no País, não?Santana: Sim. Hoje, no Brasil, há 33 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). E foi comprovado que a situação é mais grave no Norte/Nordeste, sendo que, no Norte, há situações extremas.

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