Entrevistada: Adriana Brondani – bióloga, doutora em biologia molecular e expert em comunicação de temas científicos

O Alimentos na Palma da Mão entrevistou a bióloga Adriana Brondani, mestre e doutora em bioquímica e biologia molecular, respectivamente. Além de atuar como professora no ensino superior (graduação e mestrado), Adriana especializou-se em desenvolver projetos de comunicação para a área científica. Em 2017 fundou a empresa de comunicação e engajamento científico Biofocus Hub. Produziu conteúdo multimídia para a TV educativa do Rio Grande do Sul, drops com conteúdo de ciências veiculados na TV-RBS e um programa para a rádio Bandeirantes. Em 2019 foi roteirista e apresentadora do programa Além do Alimento, veiculado no Canal Rural. Foi também Diretoria-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), entre 2011 e 2019.

Nesta entrevista, Adriana fala sobre a dor e a delícia de comunicar ciência em tempos de desinformação e polarização de opiniões. E conversa também sobre duas iniciativas exitosas no meio digital: o site Hortifruti: Saber & Saúde e o Projeto Comida Boa. O primeiro, lançado em 2018, é direcionado a nutricionistas e profissionais da área de nutrição e já angariou certa reputação nas redes. O segundo, lançado este ano (2021), discute temas como água, mudanças climáticas e energia a partir do mote da produção de alimentos, buscando mostrar a transversalidade e a interdependência entre esses assuntos.

APM: O Hortifruti: Saber & Saúde é uma extensão de algum projeto seu, como docente ou pesquisadora, ou é uma iniciativa de um grupo do qual você faz parte?
AB: De minha parte, ele representa a continuidade de trabalhos que eu já vinha fazendo antes, para desmistificar os temas da ciência na área de biotecnologia. Trabalhei durante nove anos na área de comunicação em biotecnologia. Mas era uma área de pesquisa muito mais conectada às questões da saúde, na qual há uma percepção muito positiva dos produtos de biotecnologia; as pessoas os acolhem. Quando fui convidada para fazer um trabalho na área agrícola, de produção de alimentos, conheci um outro mundo onde há um questionamento muito mais intenso, que eu apoio, porque existem mesmo dúvidas. Por um lado, como consumidora, eu entendo que toda inovação carrega consigo a questão da desconfiança, da dúvida do consumidor. Por isso, vejo a necessidade de projetos que comuniquem, esclareçam e desmistifiquem os sistemas de produção. Procuro pensar como consumidora, que tem de buscar informações pra tomar decisões. Trabalhei muito com os transgênicos e essa trajetória me ensinou a abrir a informação científica, a trazer as pessoas para as conversas e a avaliar, com elas, a questão risco-benefício de todas as tecnologias. Identifico essa necessidade no tema da produção de alimentos também, em que temos um desafio muito grande, pois há limitações do nosso modo de produção de alimentos: ele impacta o ambiente, a nossa existência impacta. Como conciliar esses fatores com o respeito a todos os organismos envolvidos? Essa é uma trajetória que nós como Humanidade temos de percorrer, e as pessoas têm de ser envolvidas nisso. Tanto o Hortifruti: Saber & Saúde quanto o Comida Boa são propostas de instigar as pessoas a pensar essas questões. Colocar dúvidas, trazer respostas dos especialistas e ajudar nessa compreensão. É extremamente importante estabelecer mais diálogos.

APM: Instigar as pessoas a pensar essas questões também significa instigá-las adotar uma outra perspectiva, que não seja a das “bolhas” em que estão? Aliás, essa ideia de que as pessoas estão em suas bolhas e ninguém ouve ninguém deve ser um fator que atrapalha seus objetivos. Poderia falar um pouco sobre isso?
AB: Quando o assunto é produção de alimentos, existe um problema, que vem piorando ao longo do tempo, e muito por conta desse cenário terrível de nossa política, e de como estamos nos posicionando do ponto de vista ambiental. Acontece que o setor de produção de alimentos entrou junto nesse pacote. Ele já vinha de uma trajetória difícil, em parte porque as pessoas são muito apaixonadas pelas áreas que elas defendem, e a paixão nos deixa meio cegos. Os produtores sempre dizendo que tudo o que fazem é uma beleza, parece até que estão fazendo um trabalho de caridade ao alimentar as pessoas. Não estão. É um trabalho como outro qualquer, com todas as responsabilidades em que implica. Há também alguns cientistas muito entusiasmados; na área de biotecnologia há muitos exemplos. As pessoas brigam com quem tem pontos de vista diferente, mas, até onde eu entendo, é bom que exista diversidade de opiniões. Essa é a dificuldade na área de produção de alimentos: do lado de quem está produzindo e de quem está envolvido com a ciência da produção, nota-se uma forma muito prepotente de trazer as opiniões a público. Temos de melhorar isso. Buscar essa conversa de igual para igual, buscar pontes. Já vínhamos nessa trajetória e aí ganhamos ‘de presente’ essa política ambiental atual. Então, hoje, a conversa sobre produção de alimentos está mais polarizada ainda, cada um realmente numa bolha, se alguém fala algo diferente logo já se cobra de que lado está, e há só dois lados nesse contexto polarizado, então é difícil furar essas bolhas. Temos de levantar temas comuns para instigar as pessoas.

APM: Esse é mote do Projeto Comida Boa?
AB: Exatamente. O tema central é a questão da “comida boa”, mas ele tem a preocupação de falar de água, de mudanças climáticas, de saúde, de energia. São temas que têm uma transversalidade e é uma estratégia para que se consiga conversar com outros públicos. É uma tentativa de estabelecer pontos de contato, porque hoje tanto quem está na cidade quanto quem mora no campo está preocupado com os recursos hídricos, com mudanças climáticas… Então, o projeto faz essa provocação: fala sobre como uma atividade que está presente no nosso dia a dia – a oferta de alimentos (produção), a agricultura – se relaciona com esses problemas. Essa é a estratégia que estamos utilizando para conseguir furar essas bolhas. E a ‘fase um’ do projeto aconteceu neste primeiro ano.

APM: Ela foi bem sucedida? Qual seria a segunda?
AB: Numa fase dois o objetivo seria abrir portas de diálogo, canais de conversa que, muito por conta da pandemia, também foram bastante prejudicados. Na área de biotecnologia eu gostava muito de criar eventos, fazer debates com gente de opiniões diferentes, diversos pontos de vista, chamar escolas, jornalistas, levar as pessoas para o campo. No projeto Hortifruti: Saber & Saúde fizemos muito isso: íamos para o campo com um grupo de nutricionistas passar o dia numa produção orgânica e depois numa convencional, almoçar com os produtores, conversar com os técnicos; experienciar. Acho que falta isso, que precisamos fazer essa conexão. É uma estratégia que esperamos utilizar em algum momento pós-pandemia também no Projeto Comida Boa.

APM: Vocês costumam levar formadores de opinião e influenciadores para essas vivências no campo? O Projeto Comida Boa tem o Zeca Camargo como apresentador, e ele é uma pessoa super influente. Imagino que seja uma estratégia para fazer frente aos influencers leigos que estão aí na rede, é isso?
AB: O nome dele surgiu justamente porque ele é um jornalista bastante influente, curioso, escreve e se expressa bem, e ele se identificou com os roteiros, no sentido de não darem uma visão míope da questão. Ele achou interessante. E até se colocou à disposição para a fase 2 do projeto, para ficar mais em contato com as pessoas; uma ideia de engajamento mesmo. E, claro, procurar buscar formadores de opinião é uma estratégia que a gente imagina, sim. No Hortifruti Saber & Saúde focamos mais o público dos nutricionistas, íamos a campo com eles, que é algo que eu adoro fazer. O produtor nos contava suas histórias, a gente almoçava ali, ia com agrônomos e visitávamos mais de uma propriedade.

APM: O que os dois projetos têm em comum?
AB: O fato de acessar um público distante do setor de produção de alimentos. O Comida Boa quer conversar com o urbano. Também estou trabalhando num projeto chamado Entre Solos, na parte de conteúdo. E ele também tem essa proposta de trazer as questões de produção de alimentos, fibras e energia, para uma conversa. É uma posição de dialogar sobre o tema, de trazer a sociedade para conversar. Trata-se de uma iniciativa da Plataforma pela Agricultura Sustentável que faz parte da Rede Brasil do Pacto Global (RBPG), da Organização das Nações Unidas (ONU). 

APM: O Projeto Comida Boa tem o patrocínio da Croplife, não é isso? E o Hortifruti Saber & Saúde?
AB: Sim, ele tem e á um canal que a Croplife quer estabelecer, e montamos esse projeto para eles. O Hortifruti Saber & Saúde existe desde 2018 e nasceu com a preocupação da cadeia produtiva. Os produtores nos procuraram e disseram que as pessoas não sabiam o que eles faziam, que os criticavam muito, que eles eram produtores de frutas e de hortaliças e queriam contar para as pessoas como produziam. É uma associação de produtores, é até um projeto com recursos bem limitados. Eles se sentiam muito desvalorizados. E aí achamos que seria mais interessante conversar pessoas que se interessem por alimentos e trabalhar essa questão dos alimentos com elas. O site foi construindo uma reputação digital importante: hoje ele tem 90 mil acessos por mês, com mais de 4 minutos de permanência de leitura. E ele nasceu numa época em que ficava falando sozinho e em que só se veiculavam coisas horríveis sobre segurança dos alimentos na web. Agora: como é que você vai estimular a pessoa a consumir frutas e verduras se ela tem mais medo de consumir do que vontade? Então, ele nasceu com essa perspectiva de estar mais ‘presente nas conversas’ do mundo digital sobre produção de alimentos, que em nossa opinião estavam sendo balizadas por percepções muito distorcidas dos dados. A história da produção de alimentos fica mesmo meio distante das pessoas. Elas têm uma visão meio romantizada de como é produzir alimentos. Muita gente já teve aquela pequena horta em casa e tem uma tendência a pensar que é simples assim. A ideia é trazer esse cenário, as dificuldades, os desafios….

APM: E o Projeto Comida Boa foi lançado quando?
AB: O Comida Boa foi lançado este ano (2021). Colocamos o primeiro episódio no ar em janeiro. Ele é um projeto novo, mas já subimos 18 episódios, sempre dentro de dessas temáticas, e estamos vendo como as pessoas interagem e reagem com o conteúdo, se elas assistem, o que assistem. Os vídeos têm mais de 1,4 milhão de visualizações. O Projeto não tem o objetivo de esgotar os temas, mas de instigar a discussão. Quanto ao público, o que sabemos no momento, nessa primeira fase, é que são pessoas com interesse tanto no tema ‘produção de alimentos’ quanto nos transversais, em sua maioria do meio urbano, numa faixa etária entre 30 e 45 anos. Nota-se equilíbrio de acesso ao conteúdo entre homens e mulheres (no Hortifruti Saber & Saúde são mais mulheres).

APM: E como são feitos os roteiros do Projeto Comida Boa?
AB: Fazemos uma pesquisa de assuntos e de como podemos conectar com os grandes temas, água, energia, mudanças climáticas… Foi muita pesquisa de informação técnica, com o compromisso de apresentá-las da forma mais palatável possível. Mas fomos nós que fizemos os roteiros. Claro que tem a produtora, que ponderou em cima dos nossos roteiros.

APM: Com base em sua experiência com comunicação digital e ciência, e não sendo você da área de comunicação social, o que é bem interessante, você já tem uma ideia do que dá mais ou menos certo no digital? Do que interessa e puxa as pessoas para o seu conteúdo?
AB: Acho que a gente vive uma situação sempre de procurar entender o que dá certo e o que não dá. É teste, mesmo, tentativa e erro. Mas uma coisa que eu percebi que não deu certo foi ser muito ‘professoral’. Esse tom não é bem-vindo. No passado, acho que me ofenderia com isso, porque a pessoa estuda anos para ser professora, e ser professora é uma coisa valiosa. Mas a internet não parece ser o local, o espaço para isso. É muito mais um local para as pessoas sentirem que estão fazendo parte da conversa. É essa nossa dificuldade, porque a gente entra numa competição com outros conteúdos, como por exemplo um meme de uma dancinha, ou de qualquer outra coisa, que são muito ‘mais interessantes’ do que os nossos temas. Mas a questão é acessar as pessoas que estão ali conosco e entender o que as sensibiliza, o que mexe com elas, o que as interessa. Fiz algumas experiências em meu Instagram pessoal, eu gosto bastante de cozinhar também, e percebi que quando eu faço comida as pessoas se interessam mais. São pontes que procuramos estabelecer, e vamos percebendo que as questões técnicas ficam muito mais ‘nas bordas’ e nas pequenas inserções do que no centro das discussões. Aí entra a questão da minha formação, não é? Minha formação técnica me diz para descer aos detalhes, mas as pessoas, muitas vezes, não querem isso. Eu aprendo diariamente. Nosso mundo é um mundo difícil porque competimos com gente que está brincando com a informação. Mas não devemos desistir, porque temos oportunidades e ferramentas para comunicar.

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